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Wednesday, September 12

A verdade sobre Mrs. Lovell

Entre vendedores de jornal e floristas ambulantes, Charlotte Lovell veio descendo com toda a força a Victoria Street, ofegante, já com suas maçãs do rosto coradas e o suéter ocre desabotoado. Foi quando cruzou a rua sem olhar, num ímpeto suicida e...

Eu poderia começar a história de Charlotte por aqui. Mas, no momento, prefiro falar de como ela estava se sentindo antes disso. Prefiro falar da imaterial efervescência que sente quando está próxima. De quem? Dele. Próxima. A proximidade é uma realidade prazerosa e, me arrisco a dizer, essencial para ela. Precisa disto para se sentir viva. É como se a presença dele, no ar que a cerca, lhe oxigenasse mais o cérebro. É. Charlotte fica em estado de alerta, pulsando idéias e fazendo planos para o futuro. Acontece que com a proximidade momentânea entre os dois também lhe vem um perigoso e arrebatador desejo. Como se não bastasse o limite apresentado. Charlotte quer mais. Muito mais. Cruelmente (e eu digo cruelmente porque é um sentimento tão esmagador que beira à injustiça consigo mesma), desliga o telefone e quer ligar outra vez. Quer ouvir sua voz não só mais uma, como todas as vezes. Quer se comprimir inteira para passar através do fio e encontrá-lo. Charlotte quer todos os dias, sempre, o exagero. Quer o cano estourado, o leite derramado e o vidro estilhaçado. Quer a cor vibrante e o grito agudo. O abraço que dói e o beijo que sangra, que suga, excita. Está farta da proximidade cautelosa, amena, doce, porém segura, passageira. Que provoca, pois provoca, mas não se estabelece porque não se assume. Ela quer as noites em claro e os olhos atentos. A dança rasgada do par no salão. Gargalhando. E mais, sempre mais. Quer as roupas no chão e o suor de piscina, poça no quarto. A unha quebrada e a falta de ar. Charlotte quer tê-lo como um corte cada vez mais profundo. E nessa incessante busca, tropeça nos próprios pés, claudicante e sem jeito, agoniada. Mordendo a isca do próprio anzol. Quer afogá-lo em seu próprio choro. Insatisfeita.

2 Comments:

Blogger Vera Fischer said...

texto charmoso
(para vc não esquecer)
clic.

10:03 PM  
Blogger milene portela said...

eu nem posso escrever aqui direito pq no momento amparo minha bochecha rasgada pelo meu próprio anzol.

e a gente não odeia e adora quando se vê num texto assim? ;)

bom, muito bom.

10:08 PM  

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