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Sunday, November 12

Sobre o intervalo do tempo e o igarapé que não tem fim

Nada é igual a um dia de verão. Tão comum e ao mesmo tempo tão perigoso.
A claridade das horas por de trás do vôo das gaivotas. O pedaço de pano de algodão, já com cheiro de maresia, estendido sobre os grãos de areia, e a brisa. A brisa quente que vem e que vai...que vem e que vai...trazendo sussurros dos gravetos da Amendoeira e de suas folhas ácidas de tão verdes. E levando embora os gritos agoniados das meninas de férias.
Lá longe, vi um barco. Desses coloridos que fazem a vida parecer mais poética. Era de pescador. As redes recolhidas, as iscas nos baldes. Já, já começaria a chacina. Homens sem camisa, de pele queimada e ardida; segurando caixotes, que de tão pesados faziam com que saltassem, reluzentes, as veias de seus braços fortes. As calças dobradas até as canelas, surradas de tanto sal. Os pés descalços, embebidos na água turva que pairava dentro do barco. Rostos secos e interessantemente vividos, dotados de uma grosseria única e quase que especial. E olhares desprovidos da mais ínfima ambição que não o peixe mais gordo do dia.
E aquele barulhinho das gaivotas a cutucar.
As cortinas de bambu quase não agüentam de tanto vento.
Ah...os dias de verão não acabam nunca! São irritantemente longos... As vozes dos cachorros e das crianças, bem ao fundo, se misturam numa permanente ladainha, e produzem uma trilha sonora incessante de choros, gritos e latidos esganiçados. Baixinhos e latentes.
Hoje a melancia estava docinha. E tão macia que, num descuido ingênuo, o suco da fruta escorreu dos lábios vermelhos da menina. A gota passou pelo queixo, desceu pelo pescoço e, já salgada, arrastou-se até o colo. Ela limpou com o dedo, num gesto rápido e correu para água.
Essas mulheres irresponsavelmente tentadoras que só o verão tem. Com suas saias de tecido fino e quadris fervendo, a espera de mãos mais quentes.
Esses dias fazem da minha cabeça uma ressaca, obrigando-me a lhe dizer sem mais: O sopro abafado de janeiro toma conta dos teus olhos, tornando-os ainda mais fulminantes, como uma onda da praia brava. Que vem de mansinho e acaba por me engolir inteira e por completa, sugada pela correnteza das tuas pupilas. Sem volta.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Parabens Catharina. gosto disso. Poucos mas bons. Seus Textos. Quero que voce continue. Com esse seu jeito, com uma literatura europeia e com esse ritmo. Aguardo Novas leituras de fim de semana. Beijo de Portugal. Zé

2:58 PM  
Anonymous Anonymous said...

Queria ter a capacidade, a criatividade e o cuidado que vc tem com as palavras. Essas que foram tão bem combinadas e entrosadas que viraram um texto e que transmite a nós, leitores, uma sensação esquisita, uma catarse digna dos grandes artistas!!!

Talento! Em todas as vias da arte!

beijos

3:07 PM  
Blogger Thaís Z said...

Tava com saudade desse texto! Adorei da primeira vez que li e continuo adorando o jeito que vc descreve as coisas.
Beijocas!

5:49 PM  

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