Subjetividades

Friday, June 22

Afastar-se para perceber a
cor da blusa e os pequenos
póros que se abriram.
Do abraço desencostar um
tanto
e reparar a marca de imperfeição
na testa
para o rosto à frente ser visto
com nova estranheza

e com novo mistério.

Tuesday, June 12

Importante

esquecer a vela acesa
para deixá-la só,
única no aposento de madeira
incandescente vertical de
cera quente

para que queime tudo em paz

Tuesday, June 5

Subitamente se olharam. O mercado abarrotado de gente esgueirando-se sob o teto por conta da repentina chuva. O cheiro de tangerina fresca contaminava o ambiente.
Ela, atrás da sessão de cereais, olhava-o do outro lado através do buraco deixado por uma embalagem caída no tumulto. Ele procurava um chocolate (nunca perdera o hábito).

Ele - Uau, que surpresa! - seus olhos pareciam brilhar como há muito não se via.
Ela - Nossa...oi!
Ele - Por essa eu não esperava! Que bom te encontrar!
Ela - O que você tá fazendo por aqui?
Ele - Vim a trabalho.

Alguém passou ao lado dela e pegou uma caixa de cereal, aumentando o vão que permitia que se vissem.

Ele - Você está linda. Eu...

Saiu de trás da prateleira e dobrou o pequeno corredor para vê-la melhor. Ela, o vestido florido, segurava a mão de uma pequena menina que batia na altura dos seus joelhos. Linda.

Ele - É...?

Seu coração parecia que iria saltar pela boca.

Ela - É minha filha. Alice.
Ele - Como ela se parece com você...
Ela - É uma mistura...minha e do pai.
Ele - Ah, sim, claro...nossa, você...você se casou quando? Eu...eu acho que não fiquei sabendo, ou pelo menos não me lembro de...
Ela - Há quatro anos. Foi uma cerimônia pequena...só para os íntimos.
Ele - Ah, é claro, eu não sou um íntimo seu, imagina...Olha, desculpa, eu tenho que ir, tenho que resolver umas coisas.
Ela - E não vai levar o chocolate?
Ele - Quê?
Ela - O chocolate. Você estava escolhendo um chocolate...não foi para isso que você entrou?
Ele - Eu desisti. Na verdade eu entrei aqui sei lá porque, eu realmente não devia ter entrado...engraçado...
Ela - Olha, vou deixá-la agora na casa de uma amiga minha, porque você não me espera pra gente tomar alguma coisa?

Ele sorriu e fez um sinal positivo com a cabeça. Ela agachou para falar com a menina:

- Já escolheu qual você quer levar? Então vamos!

Ele olhou para aquela cena e foi como se toda a sua vida passasse diante dos seus olhos, aquilo poderia ser a sua vida. Mas não era. Aquela poderia ser a sua mulher, mas não era. Era apenas uma pessoa pela qual ele sentia, sem saber o motivo, uma pontada no peito toda vez que a via, entre outras coisas.

Ela - Eu já volto. Você me espera?

Neste momento seus olhos castanhos o encararam com tamanha doçura e intensidade que a única resposta possível brotou como um soluço:

- Claro.

As duas sairam correndo no meio da chuva e foram desaparecendo na neblina.

Passaram-se cinco horas e nada. O dono do mercado tentou ajudar:

Dono - De repente ela teve um contra-tempo...já vai chegar.
Ele - Eu espero.

Após mais duas horas...
Dono - Olha, ela não vai voltar. Não adianta...
Ele - Eu espero. Dessa vez eu não vou embora, não vou deixar escapar.

Depois de algum tempo o mercado fechou e ele apenas se deu o trabalho de prostrar-se do lado de fora, na chuva. A noite gelada, ele em pé e o olhar fixo na rua.






Monday, June 4

Único era o seu nome. Como Único reinava e
Como Único olhava as breves brumas do mar
verde-hortelã do condado de Sheffield.
Foi quando Outro atravessou seu reino e o destronou
Apagando suas três únicas sílabas