Subjetividades

Sunday, December 24

O Quebra Nozes ( que saudade...)

Último ajuste no laço do vestido, arco na cabeça e a pressa. Vamos, vamos! Cadê as entradas? Todo ano a mesma coisa. Cada sinal verde da avenida tem broto de sorriso dentro. Oba, quse chegando! Ela vê o Theatro. Depressa! A mãozinha ágil chamando a avó. Não quero perder o começo! Sapatinhos nas escadas de mármore plec plec eu quero o programa! Fila F da platéia, poltrona de couro e binóculo nas mãos. Acomodou-se em boa posição. Olhar concentrado na cortina. Terceiro sinal. Pronto: estava em casa.

Thursday, December 21

Oásis

Véspera. As pedras portuguesas agora são vermelhas de carpete, na maior incoerência de um natal 40 graus. Não tem nada que me prenda. Esse ano não quero aquele vestido de presente e nem aqueles óculos italianos. Nesse fim quero começo. Quero ir. Dia desses dobrei na rua errada. Fui pra sombra, fui pra gávea. Engraçado...eu ia mesmo era prum leblon lotado de dezembro que passa lento sem você.

Wednesday, December 13

A última pétala de Sofia

( 23 hs. Prestes a sair de casa).
Espasmos. Meu corpo inteiro experimenta no momento uma sensação de formigamento que é prazerosa e ao mesmo tempo tremendamente assustadora.
Ando querendo acabar com as coisas não ditas. Apesar de elas terem um mistério que encanta, são absurdamente covardes.
E é isso mesmo que não suporto em você! Com essa pose de conflito eterno, vem me envolvendo e sufocando e eu vou, cada vez mais, me sentindo presa em uma rede, uma teia de aranha com a qual eu estranhamente compactuo.

( Já me arrumei duas vezes para sair e desisti. Daqui a pouco ele está aqui para me pegar.)

O que me dói é saber que você me ama e não faz nada.
Tenho experimentado a sensação de querer fazer tudo. De que preciso, de alguma forma, ocupar a minha cabeça com coisas que não me fazem lembrar de você. Tenho ido a lugares em que nunca te encontraria, conversado com pessoas que você iria detestar e ouvido músicas que, com absoluta certeza, iriam ser desaprovadas pelo seu gosto – que, ironicamente, combina muito com o meu. Aliás, bom gosto é uma coisa essencial. Sem bom gosto não dá nem para começar a conversar. Me irrita quem não tem bom gosto.
Não tenho paciência.

A verdade é que venho me escondendo atrás de outros para você não me atormentar mais o pensamento. Mas por que eu só consigo dormir depois de pensar em você? É como um calmante para a minha alma. Sua lembrança tem cheiro de camomila.

( Tirei a roupa de novo. Não estou conseguindo ser falsa hoje. Ele que vá sem mim e não me pergunte o motivo.)

É bom me olhar no espelho. Me sinto mais dona de mim. Assim como quando encaixo uma frase com timing perfeito em um diálogo nosso. Coisas assim bobas, mas de extrema importância para mim. Porque os momentos mais felizes da minha vida são aqueles em que não faço absolutamente nada. Mas que sinto TUDO.
Hoje foi assim.

E quer saber? Eu não compreendo nada mesmo! Eu te amo!

E cansei de repetir a mim mesma que tenho que tirar isso da minha cabeça. Porque não dá, simplesmente não dá. Mesmo que a volúpia nunca tenha tomado totalmente conta de mim, talvez porque eu sempre sentisse que você não estava presente de corpo e alma comigo. Parecia estar longe...tão longe que o beijo tinha um sopro de montanha. E eu me sentia silenciosamente sozinha. Sempre faltava alguma coisa para você. E isso acabava comigo. Eu não era suficiente.

Foi aí que percebi que não era EU quem estava ali. Aprendi tanto...o bom da vida é que se aprende. E se cresce. E se evolui. Isso é por demais excitante. Hoje vejo que aquela não era eu. Eu nem sabia quem era eu. O que era eu? Sei lá! Mas o que me faz encher os olhos de lágrimas e querer correr para você é que hoje eu estou sendo. Eu agora começo a ser eu. E estranhamente me dá uma vontade louca de te abraçar bem devagarzinho, como se meus braços fossem feitos de nuvens e minhas lágrimas de chá, para que você as pudesse lamber.

Só que estou cansada de toda essa baboseira intelectual e egoísta. Eu preciso de calor humano. De atos irracionais, de ações inconseqüentes e impensadas, preciso correr risco. E você nunca deixou que eu percebesse sua fraqueza diante da minha figura de mulher. Me falava “ agora tenho que ir.” E eu ia embora me desmantelando por dentro, ferida e tentando entender o que em mim poderia ser tão desprezível. Isso sempre me doeu. É orgulho ferido mesmo, de quem sempre foi acostumada a arrancar olhares de admiração, por vezes os mais lascivos. Eu sabia lidar com isso muito bem. Mas você me desconcertou e eu tenho profunda, profunda, profunda raiva.

( Sabe de uma coisa? Eu vou colocar a roupa de novo e um blush no rosto. Linda. Saber que ele me deseja mais do que tudo nessa vida até me provoca uma vontade de ir.)

Ah....mas eu não consigo te tirar da cabeça!!! Ele me abraça e eu pouso meu olhar frio e congelado sobre a multidão, tentando desesperadamente te ver em algum daqueles rostos.

Outro dia, na rua, um homem disse que eu era uma flor.

E eu sou mesmo. Uma flor que desde que nasceu está se despedaçando...e por muitas vezes foi tão doloroso esse processo que tentei colar a pétala morta de novo. Porque eu não conseguia enxergar, eu não via um palmo à minha frente e insistia para que o modelo que me fora passado de valores que uma pessoa deve ter na nessa porra de sociedade fosse perpetuado. Como eu poderia quebrá-lo? Quem era eu para tal ato que beirava a anarquia? Ah! Acontece que quando abri os olhos o único caminho que me chamava com tanta força e tocava aqui dentro era exatamente esse: o da libertação. E hoje, ao me despedir de você no meio da avenida, eu senti uma pétala muito grande cair, mas estranhamente, me senti mais bonita sem ela.

Isso tudo na verdade é um grito para que você me escute com os sentidos todos abertos – isso é importante, PRESTA ATENÇÃO: eu só queria que em meio aos meus discursos e questionamentos você me calasse com um beijo.

( Ele chegou. Tenho que ir. Meu corpo vai. Minha alma fica.)

Sofia

Friday, December 8

Você não acha a vida muito estranha?
Sei que minha pergunta pode parecer um tanto clichê e ingênua, mas, na verdade, não estou me importando com tal constatação no momento porque realmente venho me atendo à essa questão ultimamente, em especial agora. Sei bem que o grande mistério da vida talvez seja o PORQUE disso tudo...mas será que existe o acaso? Por que algumas coisas acontecem? Existe coincidência? Será que nada é por acaso mesmo? Só sei que as vezes fico estarrecida. Parece que estou em queda livre. Você já se sentiu em queda livre por um quarto de segundo que seja? Eu me sinto assim algumas - não muitas - vezes. Como agora. Paro meu eu no tempo para me lembrar de momentos e acontece como se meu corpo inteiro estivesse à flor da pele, meus sentidos muito apurados. Toco meu corpo e sinto uma tempestade de sentimentos: prazerosos, gostosos, assustadores...mas só com a imaginação, sem mover um cílio, sou capaz de sentir tantas coisas aqui dentro que muitas vezes em situações que isso "deveria" acontecer, não acontecem. Aí fico me achando estranha...mas não é estranha a palavra...é que na maioria das vezes essas situações não despertam nada em mim. São muito, muito poucas as que me provocam uma queda livre. E quando vêm são tão únicas que ficam entranhadas aqui dentro. Dá vontade de viver aquele momento para sempre. E como são efêmeras...porém, sei que elas estão eternas em mim, que quando lembro, um turbilhão acontece em meu corpo que as traz presentes por um segundo, para me lembrar que vale à pena viver. E isso é lindo. São apenas algumas situações...alguma simples conjuntura dos astros naquele momento, que o tornam iluminado. Uma respiração. A brisa leve de uma palavra sussurrada ao ouvido. A cor do crepúsculo. O sangue na minha pele. Joni Mitchell. A aflição do meu pé encostado na barra gelada da sala de ballet. O cheiro do veludo. O barulho do pneu do carro nas pedrinhas da antiga casa dos meus avós. Tchaykovsky. Um olhar. Um silêncio. A cor da coca cola com gelo contra a luz. O simples fato de imaginar que neste exato momento você está fazendo alguma coisa que eu não sei. Isso me faz ficar com as pernas fracas e com borboletas na barriga. E muitas vezes quando supostamente esperam de mim que eu me sinta assim, não acontece. Eu não mando nisso, o que posso fazer? Gostaria de acionar um dispositivo em mim para tal, mas é involuntário. Aí fico me sentindo estúpida...fria. Nessas situações tenho emoções mais profundas por uma barata. Ela é mais poética. Aí fico me enganando muitas vezes, tentando buscar, puxar lá no fundo alguma pista do que aquilo alí pode me motivar, para conseguir apreciar, já que na maioria das vezes a outra pessoa mostra-se tão satisfeita, tão feliz. E eu morrendo por dentro, gritando em silêncio para ser salva. Salva por quem? Por mim mesma...dá vontade de correr, fugir. Porque eu não estou presente. Meu corpo está, mas minha alma se foi há muito tempo, lá para onde me sinto segura, que é um lugarzinho que só eu sei onde é. E ela fica lá bem quietinha que é pra ver se volto a ser eu mesma. Parece que estou constantemente com um sapato apertado me incomodando, e aí chego em casa e os tiro. Esse momento é quando encontro minha alma. Que alívio...

Monday, December 4

Ensaio sobre Turner

Um dia ensolarado, e o trem partiu. A paisagem passava como numa memória recente diante da janela de madeira. Ela era jovem. O mundo inteiro para conquistar e todos os erros para cometer. Todas as saudades para viver e todas as lágrimas para chorar. Mas a sensação interior era a de desconhecido.

Por que mesmo partira?

Uma inquietação lá dentro a fazia ter um medo absurdo. Como se soubesse o que estava por vir. Mas tudo tão tranqüilo...a calmaria que precede a tempestade. O coração implorava, implorava para não ser exposto a tal tentação, feito um alcoólatra: ela iria se apaixonar.
Mas a tragédia já estava feita. Nem o maquinista podia impedir. O trem descarrilara antes mesmo de partir.

E por que partira mesmo?


A crueldade dos fatos e a consciente ignorância da menina a faziam de uma doçura única. Não me lembro de ninguém tão doce. Como se suas entranhas estivessem prontas para receber a poesia mais barata. As palavras descompromissadas e pobres que sempre escutara e nunca dera ouvidos. Palavras que soavam como a única e verdadeira forma de conquista. Coitada...contudo, só conhecia tal mediocridade até então. E o perigo estava aí: não foi o que acontecera. O apito do trem já anunciara em alto e bom som - Dê adeus ao trivial.


Ele estava agachado, numa tentativa de acender uma fogueira. Gesto que a fez lembrar-se imediatamente de seu pai. Havia algo familiar na linguagem corporal. No cumprimento, o sofrimento fora selado: olhos nos olhos. Que perigo, meu Deus!!! Era o precipício. E ela já sabia.

Friday, December 1

Não consigo ficar nem um pouco calma com isso, mas escrevo.
Muitas vezes, durante a escrita, estou tão atordoada que nem a caneta consigo segurar direito, a letra um rabisco, o que acaba por me irritar, ainda por cima. Parece que não encontro as palavras. Elas vão se esgueirando em buraquinhos mínimos e não consigo pegá-las, é uma batalha. Me sinto incapaz de usar as palavras.
A palavra, aliás, é uma coisa que me deixa no chão, pois sempre tenho a sensação de que não sou digna de usá-la corretamente, me sinto sempre errada. Elas têm esse poder. Mas descrevo, escrevo, mesmo assim. É que a palavra é minha aliada e inimiga ao mesmo tempo.
Não existe muita calma ao escrever. Não existe calma, aliás. Eu nunca escrevo calma. É sempre em desespero, sem fôlego. Escrevo para conseguir permanecer nesse mundo. E isso implica tudo menos calma.
A luz das tardes, essas tardes frias e claras de maio, embaladas pelo som da máquina de lavar, me deixa louca. É uma luz tão pura e medonha, quase um convite para a destruição. E eu sempre quis derrubar todas aquelas mesas do bar, todos aqueles chopes se estilhaçando no chão, os rostos apavorados, os olhares ridículos, me fitando e pensando “tadinha, enlouqueceu...é infeliz”. Eu tenho vontade de esganar todo mundo. Não porque sou louca, mas porque não sou perfeita, porque não sou boazinha, porque sou tudo. E porque ver tudo na mais perfeita ordem – hipócrita!- me irrita e me faz querer gritar. Não está nada bem! Nada bem! A vida não é uma festa! Mas a vida também não é só um martírio. Mas o que é a vida, afinal? Sou completamente incoerente, pois quando acordo bem disposta, aquela sensação me parece a única possível de um ser humano. Como é ser infeliz? Como é ser triste? Como é ter angústias? Nesses dias eu não sei. Nunca soube. Mas nas vezes que acordo enjoada, latejando dúvida e me arrastando pelos corredores da cozinha, pisando no chão frio e duro, não sei o que é a vida senão a dor. Nem me lembro que sei rir. E parece que sempre fui assim.
Esses gritos de criança no recreio da escola aqui do lado me dão uma dor de cabeça alucinante. As horas voam só para zombar de mim. O telefone toca:
- Alô?
- Alô, Naná! Preciso falar com você! Estou péssima, não sei o que fazer, me ajuda!
A ironia da vida ainda me surpreende. Pedir ajuda a mim? Isto é a materialização da insensatez.