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Monday, October 23

Grande Vinícius...

" (...) Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba, não

Falado

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí?
Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além da beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher. "

Friday, October 20

Um Belo Movimento no Escuro

Eu não sei. Não sei mesmo. O que se passa é palavra escondida. Incógnita. Durmo e acordo sem saber.
Ao anoitecer, passo sempre pela área espiando de relance o céu daquela hora. Olho as estrelas, como quem espera a salvação. Como quem espera o dia em que, ao se abrir a porta, a espera vira ontem. Amarga espera de quem espera o doce.
Parece que lá no pé do dia o gosto vem. A impressão é de que todo minuto de dia tem broto de flor dentro. O problema é achar o regador. Fica escondido, com medo da muda nascer errada. Como pode?!
Acho mesmo que nunca vou saber o motivo. O por quê desse desequilíbrio quando ando na rua e sinto cheiro de livro, de palavra. Faz com que eu me lembre, sempre, sempre e, muito sempre, desse sorriso quebrado que me faz chorar. Desse olhar que corta e cura ao mesmo tempo. É que, de uma certa forma, isso é o que preenche o marasmo do saco de estopa. Vazio ele não pára em pé. E nem eu.
Aí vem um poema, uma música, um morango, um texto, um filme e um nó. Assim, tudo aomesmotempomeatropelando! E me deixando louca de novo. Que é sempre pior que da primeira vez. Quando se endoidece a primeira vez, o grito e a angústia têm um frescor de pão quentinho. Nas vezes seguintes, é pão dormido. E a garganta aperta mesmo, parece que não passa nem uma agulha.
Vai ver que estou grudada. Sou a asa do bule que quebrou e depois de colada pareço mais nele do que antes. Meus sentimentos passaram cola no verso e abraçaram meu coração de tal forma que...que...que nem sei. Eu não sei, não. Eu disse no início que não sabia.
E a cada fronha, uma esperança. Oração para que dessa vez o sonho não assuste. Ou que não se acorde daquele tão delicioso mergulho no fundo do mar, de mãos bem dadas e plenitude no peito. Mas a fronha insiste em ficar quente no verão, e aquela agonia de calor vai subindo, eu mudo de lado, viro, dobro, e ela esquenta. Ah! Se as fronhas ficassem sempre geladinhas no verão...
Não perco a mania de me imaginar melhor do que sou. Imagino-me sempre mais feliz. Mais confiante. Mas segura. Lá no futuro, que é depois da curva de laranjeiras, eu me vejo bem. Calma, plácida. E tem sempre alguém do meu lado bem caladinho. Em silêncio. É como se a gente estivesse conversando por horas. Com cara de quem sempre esteve ali.
Outro dia meu eu me disse que eu preciso gostar mais de mim. Mas não consigo entender o significado dessa frase! Eu não sei o que é. Acho difícil essa questão. Nunca é aonde acho que deveria ser. Vivo errando de lado. Aí ele sussurra e fala “ pára de fingir que está gostando, porque se estivesse, não precisaria falar uma palavra. A sensação de prazer tomaria conta por si só e transbordaria seu coração para fora.” É...eu tem razão.
Mas eu só queria dizer que só sei do hoje. E hoje, eu passo adiante.


Uma Flor de Verdade

O que aconteceu com aquela menina? Aonde ela foi parar?
Aquela que acordava e não se importava se chovia ou fazia sol, porque sabia que, de qualquer maneira, seria ela mesma naquele dia. E a menina sabia, assim como quem sabe o próprio nome, quase que de nascença, que era preciso dançar. Aí ia atender o telefone girando pelo corredor, deixando as paredes tontas. Enfiava o pé no chinelinho e ia de mãos dadas com a mãe para a feira. Ouvia os gritos de “Ô loirinha! Um abacaxi docinho pra você!”, e ia correndo colocar a boca no presente.
Passava horas na casa da sua boneca preferida, que era embaixo da mesa de jantar. Para ela, a casa tinha mais graça de cabeça pra baixo, por isso, andava ao contrário,olhando tudo por entre as pernas, para se perder pelos cômodos. Aquela menina, que abria o pino do carro duas ruas antes de chegar no ballet, tamanho o frio na barriga e a vontade de pular dentro da música.
A menina tinha um segredo. Segredo muito sério, segredo de verdade. Não contava nem pro moço da pipoca e nem pro amiguinho da pracinha. Era uma coisa que fazia escondido, mas que não tinha coragem de falar: ela tinha uma boneca que dava muita raiva. E a raiva da menina pela boneca era tão grande que essa era sempre excluída das brincadeiras. Era posta sentada na prateleira, só para observar o prazer dos outros brinquedos. Não sabia explicar o motivo, mas havia naquela boneca tudo de ruim que a menina não queria ser. Gritava “ você é muito feia! Muito feia! Por isso merece levar palmada!” e batia com toda a força que tinha, a cabeça da boneca contra a parede. Depois, desenhava o sangue-batom pelo corpo da vítima de plástico e devolvia-a para a prateleira. Repetiu a tortura inúmeras vezes, até que um dia, num súbito, começou a chorar com pena da boneca e uma culpa monstruosa tomou conta da menina. Naquele dia, derramou lágrimas tão salgadas que suas bochechas começaram a arder. Foi até a prateleira, abraçou o corpo menor que o seu e pediu as desculpas mais sinceras da sua vida. De noite, arrastou a nova amiga para um jantar na casa da avó, com cadeira especial para a convidada de honra.
Sua bebida favorita era suco de laranja na caneca da “pequena sereia”. Quando tinha salaminho no café da manhã, vinha correndo com suas calças de lã e gritava “ Eba! Shilame, shilame!”, o olho cheio de remela e nó nos cabelos fininhos, fininhos. Quando tinha sopa, dava um jeito de contar uma história muito interessante, entre uma colherada e outra, assim distraia os pais e tomava bem menos. Aí rolava de rir vendo seu pai imitá-la, depois que havia percebido a tática.
Mas o que a menina gostava mesmo era de entrar sozinha no quarto imenso. Pegava, dentro do armário, os lenços coloridos da mãe e se envolvia toda. Subia no salto com cuidado para não cair. Tinha um predileto: o verde musgo. Não era o mais alto, mas era o que tinha o salto mais fino. Parecia que com o mais fino, ela seria mais mulher. Colocava os maiores brincos, pesados e brilhantes. Estava pronta. Era capaz de passar horas se olhando no espelho, apenas a imaginar como seria caber naquilo tudo, preencher todos os espaços de tecido com seu corpo. Sem sobrar nada. Nenhuma folga, nada largo. Para cada pedaço de pano, uma curva do seu corpo.
Um dia ela ganhou um gravador prateado, que tinha sido do avô, e seu maior novo divertimento era gravar qualquer som que escutasse. Durante um dia inteiro, gravou, bem de pertinho, o barulho do que comia ou bebia. O som da água sendo engolida, do biscoito mordido, da bala mastigada. Depois, sentava na cama e escutava tudo, tentando adivinhar o quê era o quê. Brincadeira imbatível.
Uma vez, no banheiro, descobriu que conseguia fazer uma coisa esquisita. Achou estranho, diferente, mas não conseguia parar. Sentava e abria a torneira do chuverinho. Seu corpo todo, depois de um tempo, estremecia e ela tinha q fechar a torneira. Passou a querer fazer isso todo dia, sem saber o motivo.
Era conhecida na locadora por pegar sempre o mesmo filme: “ Convenção das Bruxas”. Adorava a música tema e dizia junto com os personagens todas as falas decoradas. Tinha mais medo da bruxa da casa na árvore que da rainha-bruxa.
Como não tinha medo de fantasmas, a menina inventou um motivo para não conseguir pregar o olho, assustada. Era um mini-duende, que, montado em uma mini-vassoura, percorria o mundo inteiro para ver se todas as crianças estavam mortas. Quando ele passava pela janela da menina, ela prendia a respiração imediatamente. Só não sabia porque na janela dela o duende sempre demorava mais. Ficava imóvel na cama, sem respirar. Quando não estivesse agüentando mais era porque o duende já tinha ido embora.
Quando perguntaram para ela o que achava de ter um irmãozinho, respondeu “ acho uma ótima idéia! Pra gente jogar na lata do lixo!”. Bebia guaraná e odiava bolinha de queijo. A brincadeira favorita era jogar pedra no riozinho. Simples assim. Pedras, de diferentes formatos, no riozinho que cortava o jardim daquela casa.

E aonde foi parar a menina? Não sei mesmo...


Vazio

Vontade súbita de escrever. Mas ando tão sem inspiração. Tem a ver com as pessoas que me cercam. Tem dia que volto pra casa pulsando idéias em minhas veias. É quase uma questão de vida ou morte parar e me entregar à caneta. Mas há outros ( e esses têm sido maioria) em que me acontece apenas o vazio. Não é nem angústia...pq essa seria uma cúmplice em se tratando de inspiração. Mas é um vazio anestésico, fútil. Nem me lembro que sei escrever. O não sentir é tão perigoso quanto o sentir demais. Mas confesso que a última opção é muito mais atraente. Tenho dormido demais. Narcotizada. Seria uma tentativa de fugir dos dias? O que me tranquiliza é a música. A música é meu melhor antibiótico. Vivo constantemente com vontade de adiantar o tempo. Como se a felicidade estivesse em meu próximo aniversário. Acho que se fizessem um raio x das minhas emoções AGORA, encontrariam sentimentos tão contraditórios como um fotógrafo cego. Não há nada mais melancólico que um pragrama de auditório domingo à tarde. Deveria ser proibido. Incentivo ao suicídio. Tem horas, como agora, que a tristeza é tão grande que pareço que vou sufocar. Não há nada tão estranho quanto uma cama. Uma cama. Todos têm cama. AHHHHHHH!!!!! SOCORRO!!!!!!!! É a primeira coisa que se tem ao nascer e também a primeira ao morrer. Sempre achei muito estranho esse lugar central que a cama ocupa em um quarto. E cá estou eu, deitada nela.

Salto Alto

Hoje estou me sentindo linda. Na verdade, eu realmente estou muito bonita. Não sei...mas têm dias em que me sinto horrível, sem expressão. Mas existem outros, como hoje, em que tudo em mim está bonito. E nesses dias eu me sinto tão poderosa...porque não estou dizendo que tudo em mim me parece exemplar, não!
O que acontece é que eu fico dotada de beleza mesmo. Física. Porque meu estado psicológico é de mistério, sensibilidade e até tristeza, solidão. Eu me olho no espelho e não me decifro, mas sinto que posso conquistar o mundo.
Fico com uma presença incrível e meus olhos mais puxados e enigmáticos.. Os lábios vermelhos e o cabelo volumoso. Nesses dias sinto muita fome. E uma vontade imensa de quebrar a rotina.
Estava hoje no ônibus, indo para a aula, quando de repente saltei, dei meia volta, fiquei sócia de uma locadora e aluguei cinco filmes. Fui ao cinema e jantei com papai. É inexplicável. Mas necessário.
Me olho no espelho por eternos minutos, me apreciando. Nesses dias sinto-me mais velha, mulher. Sinto meu próprio cheiro nos colares, pulseiras e roupas que estou usando, e é como se esse cheiro me fizesse ter saudade de mim mesma. Imagino meus filhos, que nunca tive, no meu colo, sentindo o meu cheiro, reconhecendo a mãe nos objetos do quarto. Consigo ver o pai deles sentindo tal cheiro em algum lenço meu que se encontra sobre a cama, como se eu tivesse viajado para bem longe.
Lembro da minha mãe quando saía com o papai à noite e eu ficava silenciosamente triste de vê-la partir. Ela percebia a agonia nos meus olhinhos e me dava um beijo no dorso da mão, onde a marca do batom se fixava como um carimbo. Aí ela ia embora, o salto alto no corredor – diminuindo seu barulho ao se afastar- e eu dormia protegendo minha mão, guardando o seu beijo.

Golpe Velado


Foi como uma onda. Veio assim, num súbito. Parecia calmo. Apesar de, sinceramente, saber o risco que existia, preferi não acreditar. Continuei brincando no raso. Foi quando olhei para trás e já estava enorme.
Foi assim. Foi assim que a notícia veio. Me assolou. Não dava mais para correr. A correnteza me pegou pelos pés. Me deparei com um muro tão alto quanto branco, muito claro, que me ofuscava os olhos.
A angústia sentida era tão grande que esqueci meu nome.
E, estranhamente, poderia ter dado um nome a ele. Ele que veio. O que eu era agora? O que eu sempre fui? Eu fui alguma coisa antes disso? Isso me torna alguém? Ele me torna especial? Mas o que significa isso? Eu, que nunca entendi o que era, agora era duas. E tinha vida. E tinha vida dentro. Tinha. Mais que agonia!!! Como posso? Como pude? Penso agora no momento e me acho a mais cruel das criaturas. Egoísta.
Mas o que eu podia fazer? O que eu podia dar a ele? Eu queria dar tudo a ele, e não podia dar nada.
E essa vida...essa vida que me vem com outra assim do nada, como que para me dizer, me contar, me avisar que eu sou capaz de gerar algo muito além da minha compreensão. É essa vida que nesse momento me torna tão imaculada e linda quanto frágil. Eu tinha o poder no ventre, mas me faltava a força no coração e a possibilidade do mundo real.
Não era possível agora.
E assim, como um bilhete que se decide comprar, eu apostei no que devia ser feito. E fiz. Não senti nada. Mas mesmo apagada, inconsciente, o barulho do coraçãozinho ecoava e ecoa na minha cabeça. Eu vi, eu vi, eu vi!!! E eu dava tudo para não ter visto, porque sei que essa imagem vai perpetuar para sempre na minha memória.
Aí eu penso: melhor assim.
Mas a sensação que me corroe por dentro ninguém faz idéia. É golpe velado. Barulho calado, de quem estava em duas e agora virou zero. É o louco ato contra o instinto. Contra a natureza. A inquietante solidão que toma conta de mim nessas noites e martela aqui dentro a certeza de que ele...ele não tinha culpa de nada.
Só diz respeito a mim. A mim. O outro? É algo tão meu, tão visceral, que o outro é incapaz de saber, de sentir, de prever, de intuir. É meu. Era meu. A decisão e a escolha foram minhas. Assim como o fardo e a lembrança. Não sei porque essas coisas vêm...mas sei que vêm.
Nunca desejei tanto ser engolida por essa notícia e dádiva novamente e ser capaz. Nunca quis tanto, um dia, ser arrebatada com o peso e a leveza do outro ser e PODER. Poder dar o meu amor. Agora eu sei que será o dia mais feliz da minha vida.

Física

Estavam sentados lado a lado, e a atmosfera, que, num primeiro momento, inspirava tranqüilidade, se fosse observada com um pouco mais de calma, exalava tensão. Dois corpos que se atraem, impedidos por um certo atrito. Pura física. Contudo, palavras amenas, proferidas com cuidado, não transpareciam igual pureza
Era como um balanço...
De repente se aproximavam, seduzidos pelo perigo do penhasco. Mas logo um desequilíbrio vertiginoso brotava em seus corpos, e eram forçados a se afastar por um instante. O que soava mais como uma questão de auto-preservação.
Os dois pólos pareciam querer se unir a qualquer instância. E o atrito a arranhar.
Porém, houve um momento, uma simples conjuntura dos astros naquele segundo, em que ela se distraiu e deixou escapar, por detrás dos elétrons, a respiração. E ele percebeu. Aproveitando a eletronegatividade favorável, propôs: ela fechou os olhos. E assim, cerrados, eles enxergavam lá dentro da menina. Tiraram uma radiografia do seu coração naquele instante e revelaram, mesmo que contra a vontade da dona, seu interior, à medida em que ele sussurrava ao pé do ouvido poeira cósmica.
Parecia que assim, cega para o mundo, ela se permitia ser ela mesma, deixar fluir. Era mais fácil no escuro.
Ele disse as últimas palavras em tom de música, e aquela voz exalava um cheiro único que despertava na menina vontade de gritar. Os cílios não podiam mais conter, e, umedecidos, transbordaram a verdade. E a lágrima escorreu.

A Mulher do Vento

É essa força devastadora que me assola quando estou dormente, que me assusta e me irrita. Chega assim do nada, atropelando minha respiração. Eu paro, sentada na cama, refletindo sobre o armário, e parece que ela entra batendo a porta, desligando minha inércia, me segurando pelos braços e me sacudindo no coração. O olhar baratinado. Fico tonta, como se tivesse acabado de descobrir que a lagarta um dia vira borboleta.
É como se fosse mais forte do que eu. Muito mais forte. Em minha plena consciência de mulher ajuizada, solto um grito mudo aqui dentro. Eu juro que tento lutar, eu juro eu juro eu juro. Escuto o silêncio da noite, o relógio trabalhando eficaz contra mim, o dia seguinte espiando pela minha cortina e eu a pensar em você. Tonta.
Talvez o maior sinal de lucidez que possa se manifestar em mim não seja o fato d´eu saber que sentir isso seja loucura, mas sim que tal fato faz de mim uma completa tonta. É que a inconseqüência dos pensamentos é que faz a vida mudar de cor. Sinto que sou guiada integralmente pelos atos imaginários e sentimentos intraduzíveis. Eles que me mandam escrever às 5 da manhã.
Aí acontece: fico arrebatada pela visão e vejo você entrando lá na sala, sentando no sofá e me olhando com cara de azul.
Quero escrever palavras coloridas. Diversas tonalidades. As vezes, numa mesma palavra, encontra-se mais de uma cor. Por exemplo: “cantarolar” possui um degradeé de verde. Chega quase a ficar amarela, porque o “r” final é um verde limão gritante de doer o olho. E “machucado”? É um vermelho que vai escurecendo, ficando turvo, beirando o marrom. Já outras, imperam com uma personalidade única: “ladrilho” é azul e ponto.
Isso que me deixa louca. Você aparece aqui dentro e eu me encho de flashes perturbadores. Eu precisava falar das cores, eu precisava! E eu já ia dormir...já ia. Aí eu penso: todo tipo de sentimento puro que brota em mim, penso em você. Mas já não é mais tão freqüente assim. Porque a verdade é que torrei a paciência com esse lenga-lenga de chorar ao som da sua música. Eu estou secando.
Mas o desespero vem. Sabe porque? Em horas como agora, me vem uma saudade louca do seu abraço-nuvem, que perco o chão, como quem perde a parede a qual vem colocando tijolos. Caio no abismo.
Me dói muito - acontece que eu sei que o abismo vai estar sempre a 1 mm do meu pé – e não há razão ( todo mundo sabe) para eu me movimentar. Mas eis que a normalidade sai de fininho, rasteira, e entra o vento que me empurra para o buraco. Sempre. Eu não escolho. E vai ser sempre assim. É a terrível constatação da tragédia anunciada. Nada se pode fazer.
De vez em quando, no meio das tardes quietas do dia-a-dia ( em que as crianças estarão na escola e o marido no trabalho), vou abrir uma janela, e, num súbito, o vento vai me jogar no precipício. Vou sentir uma fraqueza nas pernas, um frio na barriga, precisar me sentar. Vou, com a despreocupação de quem está só em casa, me permitir desabar por 27 minutos. Vou lembrar de tudo. Sentir seu cheiro, ouvir sua voz mansa me chamando e suas mãos no meu cabelo. Vou, por 5 minutos, imaginar como você deva estar. Aonde? Nos próximos 3 minutos, olhar uma foto nossa e me arrepender de não ter te dito tanta coisa ali, naquela hora...no minuto seguinte, vou jogar um copo na parede e durante 30 segundos, soltar um grito das minhas entranhas mais densas. Por 3 segundos, pensarei em abandonar tudo aquilo. Fugir. Te procurar. Mas no segundo seguinte, vou me controlar e escutar o movimento da rua, pensar no jantar. E durante o resto das minhas horas, te amar como se sempre estivesse te dando adeus.

A Coisa Mais Bonita ( ouvindo Sonata Claro de Luna)


Dorme. Minha mão no seu rosto. Dorme macio, dorme com a cabeça no meu travesseiro de lavanda e lágrima. E assim, tranqüilo, desprovido de qualquer palavra na garganta e obstáculo no pensamento, acalma seu coração. Deixa...me deixa...se deixa...escuta o sonho.
É muito estranho o que tem acontecido comigo. Estou perturbada com as coisas ao meu redor. E , ao mesmo tempo, distraída. Atravesso a rua sem olhar para os lados. Esqueço qual pé vem na frente. Me perco na minha própria casa. As pessoas têm me confundido...é muita gente...muita gente...muitos olhares, sem olhos algum ( seus olhos foram os únicos que eu vi na vida).

Não! Shiiii! Não acorda! Dorme, dorme...isso. Assim...

O suco de laranja veio amargo, mas eu, estranhamente, não quero reclamar. Normalmente eu chamaria a garçonete e diria que tem uma laranja estragada, porém agora me parece que não tenho forças para isso.

E se a gente começar a voar?
Estou me lembrando agora, eu já voei. Já. Obrigada.

Mas agora eu sinto que preciso descansar. Preciso me recompor. Estou tão exausta...tão exausta...como se meu último sopro me fora roubado. Minha cabeça está latejando, ouço vozes no jardim.
Ah! O jardim! Vem comigo, por favor! Vem...fiquei com vontade imensa de passear no jardim com você. Aquele que eu cresci, que tomei banho de mangueira, que me pendurei no cipó, que brinquei no balanço, que perdi meu primeiro dente e tomei meu primeiro tombo. Que inventei histórias, estourei “ marias-sem-vergonhas” e comi framboesa. Foi ali que senti medo. Que experimentei, pela primeira vez, dançar. Que aprendi a ficar sozinha. Que chorei achando que minha mãe tinha me esquecido. Eu quero tanto te levar lá...tanto...tanto...
E eu estou tão cansada...psicologicamente cansada. Mas sinto que, por mais alguns minutos, não vou ceder. Uma coisa boa em mim é que sou forte e frágil ao mesmo tempo. Quando ponho na minha cabeça que preciso permanecer mais um pouco, assim o faço. O problema é aquela velha história sobre mim, que ninguém sabe : sou imune à uma pedra que me atirem, mas desmancho ao som de uma palavra.
E assim, fraca no pensamento, eu sinto vontade de sofrer um acidente grave. Desses que se é preciso ficar dias internada no hospital. Entre a vida e a morte. Só para você me visitar e me fazer ter vontade de viver de novo.

Um dia você me abraçou e me confortou da dor que você mesmo me causava.

O amor tem dessas coisas: as vezes suspira, as vezes chora.

Eu não acredito que vou alcançar a felicidade. Não. Porque quando ela chega, a gente não se dá conta. Teve uma vez, numa praia, que pensei “ então é isso. O começo da felicidade! E ainda vai vir muito mais, vai ser muito melhor!”. Eu estava completamente enganada. Não viria mais nada. Era aquilo. Era aquele momento. E eu não sabia. Agora eu sei.
Posso me deitar ao seu lado?